No século XVII, os holandeses realizam tentativas de estabelecer-se no Nordeste brasileiro, na Bahia (1624), em Pernambuco (1630) e no Maranhão (1641). As invasões são um empreendimento ligado aos interesses do mercantilismo europeu na América colonial. O objetivo é recuperar para a Holanda o comércio de açúcar e de escravos no Brasil, fortemente prejudicado durante o domínio espanhol (1580-1640).
Os holandeses, tradicionais parceiros dos portugueses no comércio de açúcar e escravos, têm seus interesses profundamente abalados em 1580, quando uma crise sucessória leva à passagem do trono português para a Coroa espanhola. Rivais dos espanhóis, os holandeses são proibidos de aportar em terras portuguesas e perdem os privilégios no comércio de açúcar. Em 1621, o governo e as companhias privadas holandesas formam a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, misto de empresa comercial, militar e colonizadora, para ocupar as terras canavieiras, controlar a produção dos engenhos e recuperar os lucrativos negócios na América e na África.
Investidas- A primeira invasão ocorre em maio de 1624, quando uma frota armada da companhia ataca e ocupa Salvador. Esse domínio, contudo, dura pouco. No ano seguinte, forças luso-espanholas, com 52 navios e mais de 12 mil homens, provocam a rendição holandesa. Em 1627 é feita nova tentativa frustrada contra Salvador. Depois dos ataques à Bahia, os holandeses investem contra Pernambuco, capitania igualmente rica e menos protegida. Em fevereiro de 1630, uma esquadra de 56 navios chega ao litoral pernambucano, e seus homens ocupam Olinda e Recife. A resistência da população, organizada pelo governador da capitania, Matias de Albuquerque, em torno do Arraial do Bom Jesus e de Porto Calvo (Alagoas), dificulta a consolidação do controle holandês. A partir de 1632, com a ajuda de um mulato pernambucano, Domingos Fernandes Calabar, os estrangeiros avançam contra as fortalezas do litoral e os principais redutos de resistência brasileira no interior.
Calabar combate os invasores no início das lutas, mas muda de lado em 1633, acreditando que o domínio holandês seria mais benéfico que o português. Sem os reforços prometidos por Portugal e Espanha, Matias de Albuquerque retira-se para a Bahia em 1635. A luta nativa limita-se à guerrilha em alguns pontos de Pernambuco e capitanias vizinhas. Em ataque contra Porto Calvo, Calabar é preso e executado como traidor. Entre 1637 e 1641, os holandeses consolidam seu poder sobre toda a região entre o Ceará e o rio São Francisco.
Maurício de Nassau – Para administrar e expandir seus domínios no Brasil, a companhia envia para Pernambuco João Maurício de Nassau, em 1637. Dotado de espírito renovador e tolerante nos campos político e religioso, Nassau ganha a simpatia dos proprietários de terra com medidas concretas de estímulo à recuperação de engenhos e plantações. Ele realiza obras de urbanização no Recife, amplia a lavoura açucareira, desenvolve fazendas de gado e assegura a liberdade de culto. Traz como colaboradores vários cientistas e promove estudos de história natural, astronomia, meteorologia e medicina. É ele também o responsável pela vinda de artistas, como os pintores Frans Post e Albert Eckhout, os primeiros a retratar as paisagens e cenas do cotidiano brasileiro. Nassau busca ainda ampliar os domínios holandeses, invadindo o Maranhão em 1641, ocupação que se estende até 1644. Sua administração termina nesse ano, quando desavenças com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais o fazem voltar para a Europa.
Insurreição Pernambucana- Insatisfeita com os lucros vindos de Pernambuco, a companhia dificulta o crédito aos proprietários de terra, que se rebelam em 1645, na chamada Insurreição Pernambucana. A Holanda abandona a região 1654. Em 1661, o Tratado de Paz de Haia reconhece formalmente a soberania portuguesa sobre a vila do Recife.
Johann Mauritius Van Nassau
Militar e administrador holandês de origem alemã. Sob sua administração, Recife vive um período de florescimento cultural, liberdade religiosa e reformas urbanas.
Johann Mauritius van Nassau-Siegen (17/6/1604-20/12/1679) nasce no Castelo de Dillemburg. É membro da casa de Nassau, família aristocrática que disputava os tronos da Alemanha e da Holanda. Em 1618, durante a Guerra dos Trinta Anos, ingressa no Exército da Holanda e participa de várias campanhas. Em 1632 se estabelece na cidade de Haia, onde contrai muitas dívidas para construir o Palácio Mauritius. De acordo com os historiadores, é por esse motivo que aceita, em 1636, a proposta da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais para administrar a recém-conquistada colônia holandesa no Brasil, que se estende do litoral de Sergipe ao do Maranhão. Desembarca no Recife em 1637 e passa sete anos na colônia. Consegue a simpatia dos senhores de terra ao propor financiamentos para a recuperação de engenhos e plantações de açúcar. Em sua administração, promove melhorias urbanísticas na vila do Recife, assegura a liberdade de culto e atrai para a colônia artistas e cientistas de diversas áreas, entre eles o pintor Frans Post. Desentende-se com a Companhia das Índias e pede demissão em 1644. Volta à Holanda, onde ocupa cargos diplomáticos e militares importantes. Em 1652 recebe o título de príncipe do Império Germânico. Retira-se da vida pública em 1674 e morre cinco anos depois em Kleve, na Alemanha.
Batalhas dos montes Guararapes
Batalhas da Insurreição Pernambucana (ver Invasões holandesas), ocorridas em 19 de abril de 1648 e 19 de fevereiro de 1649, em local próximo ao Recife, sendo ambas vencidas pelos luso-brasileiros. Na Europa, dom João IV continuava agindo, diplomaticamente, propondo indenizações, casamentos, e até pensando em deixar para os holandeses as terras que iam do Ceará até o rio Real (Bahia). Em Pernambuco os holandeses dispostos a garantir o seu domínio a ferro e fogo, formaram um exército de 6 mil homens, entre os quais 300 tapuias. Na primeira batalha, o comandante Barreto de Menezes assumira, de comum acordo com Fernandes Vieira, o comando geral das tropas, resolvendo esperar os inimigos nos montes Guararapes. Os holandeses cometeram um grande erro ao não fazerem um amplo reconhecimento do terreno. No dia 19 de abril, 2.200 homens sob o comando de André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Henrique Dias dominaram os montes Guararapes, derrotando as tropas holandesas, e obrigando a retirada. Na segunda o Recife já estava sitiado e a batalha deu-se devido à tentativa holandesa de romper o cerco. Mais uma vez os holandeses ocuparam o morro dos Guararapes, mas as tropas luso-brasileiras não atacaram imediatamente. Quando tentaram se retirar cansados, famintos e sedentos, os holandeses foram encurralados pela retaguarda. Apesar de numericamente superiores foram definitivamente vencidos. Os holandeses tinham cerca de 3.500 homens e perderam mais de mil. Os luso-brasileiros de 2.600, acusaram uma baixa de apenas 45 mortos e 200 feridos. Se a primeira vitória demonstrou ao governo português que não valeria a pena ceder ou vender Pernambuco a segunda batalha consolidou o movimento pernambucano e limitou o domínio holandês ao Recife, demonstrando que só com muito sacrifício conseguiriam permanecer no Brasil.
Companhia Holandesa das Índias Ocidentais
Sociedade mercantil constituída pelos Estados-Gerais da Holanda em 1621, com o fim de concorrer comercialmente com a Companhia Holandesa das Índias Orientais. Obteve o monopólio comercial na América e na África. O resultado comercial desta companhia não foi tão frutífero quanto o das Índias Orientais. Em 1674, foi dissolvida devido a dificuldades econômicas.
DOCUMENTO
MOTIVOS POR QUE A COMPANHIA DAS INDIAS OCIDENTAIS DEVE TENTAR TIRAR AO REI DA ESPANHA A TERRA DO BRASIL. TEXTO DE JAN ANDRIES MOERBEECK, DATADO DE 1624.
Plano holandês de invasão do Brasil
“Estando a Companhia das Índias Ocidentais em perfeito estado, ela não pode projetar coisa melhor e mais necessária do que tirar ao Rei da Espanha a terra do Brasil, apoderando-se dela. As razões para isto são muitas, de várias espécies e óbvias, das quais citarei apenas aquelas que, conforme a minha opinião, forem mais importantes.
Porque este país é dominado e habitado por duas nações ou povos, isto é, brasileiros e portugueses, que no momento são totalmente inexperientes em assuntos militares e, além disto, não têm a prática nem a coragem de defendê-la contra o poderio da Companhia das Índias Ocidentais, podendo ser facilmente vencidos [...]
Os portugueses que oferecerão maior resistência ou defesas são, na sua maior parte, da religião judaica e, além disto, inimigos natos e jurados da nação espanhola, razão porque se submeterão de boa vontade a Vossa Excelência, ou facilmente serão levados a isto; ou, pelo menos, pouco se lhes dará a prosperidade da Coroa espanhola na defesa dessa terra, de sorte que não há dúvida de que a Companhia se poderá apoderar, em pouco tempo, de todo o Brasil. Para conseguir tal coisa é absolutamente necessário que a Companhia se mostre muito amigável e cortês para com a mesma nação, deixando a cada um liberdade de religião, fazendo aí boas leis e bom policiamento, administrando a cada um direito e justiça.
Embora a terra do Brasil seja maior do que toda a Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Escócia, Irlanda e os dezessete Países Baixos juntos, e embora os portugueses se tenham fixado em umas boas quatrocentas milhas, ao largo das costas marítimas, sendo eles milhares em número, contudo há apenas dois lugares mais importantes do mesmo país, isto é, Bahia e Pernambuco. E, em tendo sido os mesmos ocupados e fortificados e em sendo feito algumas fortificações em certos lugares, colocando nelas algumas guarnições competentes, a Companhia das Índias Ocidentais não somente se tornará senhora do país inteiro, como poderá manter a sua posse [...]
A Companhia das Índias Ocidentais conseguirá grande tesouro em navios e mercadorias, pois, por ocasião do assalto, haverá na Bahia e em Pernambuco grande quantidade dos mesmos, que dificilmente se poderiam esconder no interior. Logrará, também, moeda corrente, jóias, prata e ouro.
(…)
Os soldados e marinheiros obterão, também, muita presa, tanto em moeda corrente como em jóias, pratarias, vestidos preciosos, linho e outras coisas, uma vez que, estando essas duas cidades tão perto do mar e sendo de tão fácil acesso, não terão os seus habitantes tempo para transportá-los, ocultá-los, ou mandá-los para outros lugares. Se a Companhia das Índias Ocidentais permitir, de boa vontade, essas pilhagens, obterá tão grande reputação que, em todos os tempos, poderá dispor de tanto pessoal quanto precisar.
(…)
Desta terra do Brasil pode, anualmente, ser trazidas para cá e aqui vendidas ou distribuídas sessenta mil caixas de açúcar. Estimando-se as mesmas, atualmente, em uma terça parte de açúcar branco, uma terça parte de açúcar mascavado e uma terça parte de açúcar panela, e avaliando-se cada caixa em quinhentas libras de peso, poder-se-ia comprar no Brasil, sendo estes os preços comuns nesse país, o açúcar branco por oito vinténs, o mascavado por quatro e o panela por dois vinténs a libra, e revender, respectivamente, por dezoito, doze e oito vinténs a libra; e descontando-se doze florins de carga e de pequenas despesas por cada caixa, ter-se-ia um lucro de, aproximadamente, cinqüenta e três toneladas de ouro.
(…)
Da comunidade aí residente, a Companhia das Índias Ocidentais poderá tirar, anualmente, com o emprego de bons métodos, cuja enumeração é aqui desnecessária, pelo menos três a quatro toneladas de ouro.
Todas as terras e rendas confiscadas do Rei e do clero deverão produzir, anualmente, umas três a quatro toneladas de ouro
Os dízimos dos bens que o clero possui valem, também, anualmente, três a quatro toneladas de ouro.
Tudo isso junto importa em cerca de setenta e sete toneladas de ouro, que a Companhia das Índias Ocidentais poderá tirar anualmente destas terras. Deduzindo-se desse total as despesas anuais para a guerra tanto no mar como na terra, a fim de manter em sujeição tais lugares e defendê-los contra o Rei da Espanha, as quais importarão aproximadamente em vinte e sete toneladas de ouro, resta ainda para a Companhia um lucro anual de cinqüenta toneladas líquidas de ouro, obtido com emprego de capital menor do que esta quantia [...]“
DOCUMENTO
CARTA DE MAURICIO DE NASSAU ESCRITA EM MAIO DE 1644 AO DEIXAR O BRASIL.
Carta de Maurício de Nassau
“Nobres, veneráveis, mui avisados e prudentes senhores:
Seja o último ato do meu governo esta memória ou instrução que deixo como despedida, confiando que se V. Sas. a observarem e procederem segundo o seu teor, como fiz durante o tempo de meu governo, os resultados hão de ser, com o favor de Deus, em todas as ocasiões de paz e de guerra, mais felizes do que foram até o presente.
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Convém que V. Sas. procurem angariar e manter, por meio de favores e de dinheiro, alguns portugueses particularmente dispostos e dedicados para com V. Sas. dos quais possam vir a saber em segredo os preparativos do inimigo, os seus novos desígnios e empresas.
Esses portugueses devem ser dos mais importantes e honrados da terra, e lhes será recomendado, que exteriormente se mostrem como se fossem dos mais desafetos aos holandeses para não caírem em suspeição. Os mais próprios seriam os padres, pois são eles que de tudo têm melhor conhecimento.
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Mas os avisos e as comunicações mais seguras devem ser procuradas entre os mais qualificados. Um ou dois deles bastam para comunicar segredos que, a não ser assim, escapariam a V. Sas.
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Não convém desgostar o governador da Bahia por coisas de pouca monta, pois a nação portuguesa tem muito em atenção correspondência e cortesias embora vãs e de pouca importância. Ponderem V. Sas. a vantagem que ele tem contra este Estado, quão desejosos os seus soldados se mostram de correrias e pilhagens nas capitanias, quão grande é o seu poder e que em um momento e com uma palavra se pode formar com os nossos moradores um exército, ao qual não faltaria o sustento e a munição necessária.
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As ordens e resolução do Conselho dos XIX devem ser observadas e executadas quando for possível. Havendo incompatibilidade com a conservação do país, devem ser sustadas e pedidas ao Conselho dos XIX a sua extinção ou adaptação.
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Não convém por agora que a prática da nossa religião seja abertamente introduzida entre os portugueses com a abolição dos seus ritos e cerimônias, pois nada há que mais os exacerbe.
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Peço a Deus Onipotente que abençoe e tome sob sua divina proteção o governo de V. Sas.
Dedicado a V. Sas.
J. Maurício, Conde de Nassau
Recife de Pernambuco, 6 de maio de 1644.”
Autoria: Walter Antonio Molica